domingo, julho 25, 2004

"O Despertar da Mente" - A memória dos afectos


Joel Barish (Jim Carrey), um homem de carácter introvertido, descobre que a sua excêntrica namorada Clementine (Kate Winslet) recorreu a uma estranha operação para apagar todas as memórias que tem dele. Joel descobre a companhia que fez a operação e pede, num misto de "vingança ciumenta" e incompreensão, para submeterem-no ao mesmo procedimento. Só que a operação levar-lhe-á a fazer uma viagem pelas suas memórias da sua vida com Clementine e, uma vez iniciado o processo de apagamento, Barish redescobre as razões porque se apaixonou pela rapariga e porque a sua relação falhou, tendo que derradeiramente fazer uma escolha definitiva: esquecer ou lembrar.

Só agora tive a oportunidade de ir ver "The Eternal Sunshine of the Spotless Mind - O Despertar da Mente" de Michel Gondry, dois meses depois da sua estreia, numa sessão única à meia-noite no Monumental (na mesma sala que, habitualmente, está a projectar o Shrek 2). E devo dizer que se o Verão tem andado a justificar a sua alcunha de "silly season", a permanencia de filmes como este em cartaz é de nos deixar um pleno sorriso na cara.


O argumento de Charlie Kaufman (autor dos scripts de "Queres Ser John Malkovich?" e "Inadaptado") é, mais uma vez, absolutamente fabuloso. O seu talento de compor personagens fantásticas em situações extraordinárias mantém-se intacto, bem como a sua capacidade de jogar com (e contra) as convenções tradicionais da escrita de argumento de modo a tornar toda a história mais interessante. Isto porque o filme, abordando o tema da memória e das nossas recordações afectivas (um tópico que certamente faria a delícia de Alain Resnais, cujo "Hiroshima, meu Amor" parece ter influenciado a história aqui e ali), está contruído como se ele próprio se tratasse de um conjunto de memórias erráticas que caminha para a sua progressiva clarificação. Constroi-se como um puzzle, mas vive-se (e sente-se) com uma intensidade rara. É uma das histórias de amor (ou sobre o amor) mais sincera e genuinamente românticas que o ecrã nos deu nos últimos tempos.

Mas se é verdade que o argumento é um elemento determinante, não podemos esquecer (injustamente) a contribuição do realizador Michel Gondry, da directora de fotografia Ellen Kuras e do montadora Valdís Óskarsdóttir para o belo todo que é este filme. O primeiro porque, ao contrário de que muitos têm especulado, usa inteligentemente a sua herança de realizador de video-clips para dar ao filme o seu "quê" de fantástico e surreal que necessita, sobretudo nas sequências passadas na memória de Barish, onde os efeitos especiais que sugerem o "apagamento" das recordações revelam-se um prodígio que, ao contrário de muito do que se vê no cinema actual, contribui para a narrativa em vez de ser simplesmente um mero fogo de artifício visual. A segunda porque a imagem tem um papel fulcral raramente visto, com a câmara a usar o foco e o desfoco para sugerir o estado da memória de Barish; e por fim a montagem que, talvez mais do que tudo, constroi o ambiente confuso e perdido da mente de Barish, funcionando com a precisão de um relógio. E há, claro, as interpretações dos actores...


...e que interpretações! Jim Carrey, de novo, mostra que é muito mais do que um actor de caretas, conferindo à sua personagem uma complexidade dramática que assenta muito mais nos pequenos pormenores de comportamento do que em expressões corporais exageradas. São poucos os actores que conseguiriam fazer este papel com a mesma entrega e seriedade de Carrey. Kate Winslet, que parece determinada a mostrar que tem uma gigantesca versatilidade e que é muito mais do que a "Titanic Girl", está deslumbrante do princípio ao fim num papel que poderia facilmente cair na caricatura mas que, graças ao soberbo trabalho da actriz britânica, consegue ser profunda. E nos secundários há que destacar a energia de Kirsten Dunst, a sobriedade de Tom Wilkinson, a surpreendente timidez de Elijah Wood e a solidez de Mark Ruffalo.

(Spoiler Alert) Incrivelmente, um dos elementos que parece destoar é o plano final do filme. Porque não acabou o filme com aquele (lindo) diálogo entre Winslet e Carrey? De onde veio a necessidade de fechar o filme com um plano de neve que nos deixa (literalmente!) ao frio? (Spoiler End)

Mas para dizer verdade, pouco interessa. Não é certamente por este pequeno defeito que o filme será recordado... 

O Despertar da Mente (Eternal Sunshine of the Spotless Mind). Drama. 2004, EUA.
Realizador: Michel Gondry
Argumento: Charlie Kaufman
Elenco: Jim Carrey, Kate Winslet, Kirsten Dunst, Mark Ruffalo, Elijah Wood, Tom Wilkinson
Produção: Anthony Bregman & Steve Golin
Dir. de Fotografia: Ellen Kuras
Música: Jon Brion
Montagem: Valdís Óskarsdóttir
Cor, 108 mins.
Tradução: Fátima Chinita

Site oficial: http://www.eternalsunshine.com/

terça-feira, julho 20, 2004

Antevisão: "Steam Boy" de Katsuhiro Otomo



O cinema de animação marca a sua estreia no Cinearte com aquela que é uma das obras mais aguardadas do momento!
 
Após nove anos (!) de uma extensíssima e conturbada produção, "Steam Boy" estreou a 17 de Julho nos ecrãs japoneses, terminando um longo calvário para o seu criador Katsuhiro Otomo, que faz assim o seu regresso à realização quase dez anos depois de assinar um segmento do filme "Memories".
 
Otomo é conhecido no ocidente, sobretudo, por ser o autor do mítico manga "Akira" e da sua não menos aplaudida transposição para a longa-metragem de animação. Se o manga fez história ao apresentar uma narrativa de ficção científica plenamente adulta que marcou milhões de leitores tanto no oriente como no ocidente (não esqueçamos os elogios tremendos que Moebius lhe fez), a adaptação para o grande ecrã foi, no ano de 1988, a mais cara produção anime de sempre, apresentando uma animação com uma fluídez raramente vista tanto nas obras japonesas como nas americanas ou europeias, e um trabalho de argumento e realização que deslumbrou plateias e críticos um pouco por todo o mundo. Foi este o título maioritariamente responsável pela chegada em força dos mal-apelidados "filmes manga" ao ocidente nos finais dos anos 80/inícios dos anos 90. Em Portugal, o filme não teve direito a distribuição (só mesmo a umas passagens no Fantasporto e, em 2001, a várias sessões esgotadas no Cine-Estúdio 222 aquando de um ciclo de anime organizado pela Zero em Comportamento) e o manga só chegou às nossas prateleiras em 1997 pela mão da Meribérica/Liber numa edição adaptada da versão americana colorizada por Steve Olif. Recentemente, o 10º aniversário do filme permitiu que o DVD comemorativo chegasse ao mercado importado pela MVM numa edição britânica com legendas em português, e o manga viu o seu último capítulo ser publicado há pouco tempo.
 
"Steam Boy" é um velho projecto de Otomo que, devido à complexidade da produção e à óbvia necessidade de meios mais exorbitantes, foi sendo posto na prateleira várias vezes pela produtora Bandai Visual, fazendo com que o seu realizador tivesse que ir trabalhando noutras obras em funções mais secundárias. Se há males que vêm por bem, esta "pausa" permitiu que Otomo escrevesse o argumento de "Metropolis" de Rin Taro e o de "Roujin Z" de Hiroyuki Kitakubo e assumissse o papel de supervisor (o mesmo é dizer, "mentor") de "Perfect Blue" de Satoshi Kon e "Spriggan" de Hirotsugo Kawasaki. Não se pode afirmar que fez pouco...
 
Escrito por Sadayuki Murai (argumentista das excelentes longas-metragens "Perfect Blue" e "Millenium Actress", bem como da série "Boogiepop Phantom" e de um episódio de "Cowboy Bebop"), "Steam Boy" conta a história de Rei, um jovem inventor que vive no Reino Unido em meados do século XIX, pouco antes da primeira Exposição Mundial. Uma nova invenção denominada "Steam Ball" vem parar à porta do avõ de Rei, Roid, mas este nem imagina o poder terrível que se esconde por de trás deste invento. Quando a Fundação Ohara envia os seus homens para obterem a Steam Ball para assim poderem usá-la para fins pouco recomendáveis, começa o conflito. 



O filme custou 2400 milhões de yens a ser feito, sendo quase tão caro quanto "A Viagem de Chihiro" de Hayao Miyazaki, mas com um número de fotogramas animados bem maior que o do anime que arrebatou o Oscar há um ano! A música está a cargo do compositor norte-americano Steve Jablonski. A trailer que tivemos a oportunidade de visionar deixou-nos, desde logo, absolutamente espantados pela qualidade da animação: há algum tempo que não se via uma fluídez e uma junção tão harmoniosa entre gráficos CG e desenhos 2D. Se "Akira" fascinou plateias inteiras no seu tempo, é de esperar que "Steam Boy" faça o mesmo. No que diz respeito à história e ao filme em si, ainda é cedo para dizer se o resultado final está à altura das expectativas. O melhor mesmo é esperar para ver.

A estreia nos ecrãs franceses está marcada para 22 de Setembro. Em Portugal, por enquanto, não se faz qualquer ideia se o filme alguma vez chegará ou não às salas escuras, mas não é de espantar que o DVD aterre nas prateleiras das lojas mais cedo ou mais tarde... nem que seja na secção de "importação"!
 
Site oficial (em japonês): http://www.steamboy.net/ 
Ver também: http://www.lawson.co.jp/loppi/steam_boy/

P.S. - Convém relembrar que o DVD de Akira contínua à venda e que a edição nacional do disco digital versátil de "Memories" está quase a chegar!

segunda-feira, julho 19, 2004

Só umas poucas palavras sobre "American Splendor"

 
Uma reposição oportuna no Ávila permitiu-me ver um daqueles filmes que, graças a esses inconvientes que consomem o nosso tempo, tinha deixado injustamente passar ao lado aquando da sua passagem pelos ecrãs portugueses - trata-se de "American Splendor" de Shari Springer Berman e Robert Pulcini, uma "adaptação" do comic-book underground homónimo de Harvey Pekar.

A BD em questão trata-se nem mais nem menos do que uma biografia do próprio Harvey Pekar, um average-middle-class-guy, arquivista num hospital suburbano e com um enorme sentido de auto crítica que, através do seu contacto com o cartoonista Robert Crumb (criador de "Fritz, the Cat", entre outros), decide passar as situações do seu quotidiano (incluindo as próprias pessoas com quem trabalha e se relaciona!) para as tiras de uma BD. O êxito é inesperado mas não tira Pekar da sua condição de slob mal-pago e depressivo. Quando Joyce, dona de uma loja de comics, lhe vem pedir o último número de "American Splendor", uma interessante (e pouco usual) relação nasce. Mas este é só o princípio de uma história mais ampla...

Não há que alongar muito. Mas tenho que dizer que "American Splendor" mistura, com invulgar sabedoria, o estilo do documentário (afinal, temos depoimentos das verdadeiras pessoas que surgem como personagens nos filmes, chegando mesmo a comentar as suas versão ficcionadas!) e uma ficção várias vezes hilariante e não poucas vezes tocante. É um "fresco" de uma América que não estamos habituados a ver, de um tipo de gente que raramente surge no grande ecrã de cinema tão bem retratada nos seus melhores e piores momentos. Tudo com uma banda-sonora de Jazz que mais parece uma fabulosa compilação do melhor que este estilo músical gerou desde o seu nascimento. É a música de que Harvey gosta, e nós agradecemos. Tal como agradecemos o soberbo trabalho dos actores (Paul Giamatti, não sendo 100% fisicamente semelhante a Harvey Pekar, captura a sua essência e maneira de ser com uma precisão que é preciso ver para se acreditar - sobretudo quando se pode, dentro do mesmo filme, comparar o actor com o próprio Pekar!) e a realização soberba do casal Berman-Pulcini.



"American Splendor" é bom, muito bom mesmo. Aqueles que têm saído desiludidos das recentes adaptações de vários comics da Marvel poderão aqui (e no excelente "Mundo Fantasma") reconciliar-se com a BD norte-americana e respectivas transposições para o cinema. Mas não posso deixar de achar curioso que são as adaptações de material mais "underground" que melhor têm funcionado ultimamente...
 
Site oficial: http://www.americansplendormovie.com/main.html

domingo, julho 18, 2004

Bloco de Notas: Dossier Truffaut nos Cahiers du Cinéma



Para aqueles que não a costumam comprar, a edição de Julho/Agosto dos Cahiers du Cinéma traz um interessante dossier sobre o cineasta François Truffaut.
 
Este número deve ser do agrado mesmo daqueles que acham que os Cahiers já não são o que eram durante a fase da "colecção amerela", já que, para além de artigos extensos acerca da escrita de Truffaut, da sua obra e (inevitavelmente) da sua "política dos autores", traz também depoimentos de realizadores tão variados como Carlos "Cáca" Diegues, Kiyoshi KurosawaMonte HellmanAmos Gitai, Hou Hsiao-Hsien ou Abbas Kiarostami sobre o autor francês e o modo como os seus filmes lhes marcaram. 
 
Fora do dossier, há também por lá um artigo sobre o João César Monteiro, mas é de esperar o típico "endeusamento cego" dos Cahiérs...


quarta-feira, julho 14, 2004

"28 Dias Depois" - Os dias (não estão) contados para o filme de Zombies



Vinte e oito dias depois de um estranho vírus ter sido libertado acidentalmente de um laboratório na Inglaterra, toda a ilha britânica está devastada, sendo assolada por mortos-vivos que os poucos sobreviventes que ainda restam escondidos nos destroços chamam de "Infectados". O vírus que estes carregam transmite-se pelo sangue, tornando as suas víctimas em monstros carregados de raiva em pouco menos de vinte segundos depois de serem mordidos. Jim, um paperboy que estivera internado em coma antes da propagação do vírus, acorda no hospital para encontrar Londres completamente desolada. O seu encontro com dois sobreviventes, Selena e Mark, fará com que não só fique a par da dramática situação actual, como também lhe permitirá iniciar a procura de alguma forma de fugir do pesadelo que estão a viver. No entanto, os "Infectados" não são a sua única ameaça...

Foi em 2002 que Danny Boyle, o célebre realizador britânico responsável pelo impressionante thriller "Shallow Grave - Pequenos Crimes Entre Amigos", pela extremamente elogiada adaptação de "Trainspotting" de Irvine Welsh e pela extremamente vaiada adaptação de "A Praia" de Alex Garland, se aventurou num território não-tão-comum-quanto-isso no cinema inglês e na sua própria obra: o filme de Zombies. Para além da peculiaridade desta premissa, Boyle ousou ser original não só na escolha da temática como também na própria concepção do filme, escolhendo usar como formato de registo de imagem o Vídeo-Digital (DV) em detrimento da tradicional (e muito mais cara) película de 35 milímetros, teoricamente abdicando desde logo de uma fotografia "mais bonita". Os riscos eram grandes, e bastava o facto de esta ser a segunda vez que Boyle e Alex Garland estavam envolvidos num mesmo projecto para não inspirar grande confiança.

Mas a aposta foi definitivamente ganha. Desde o momento em que assistimos a vários planos de Londres completamente vazia até à primeira cena em que os Infectados surgem do escuro que percebemos estar perante um filme de zombies como já tinhamos saudade de ver. Depois da enorme decepção que foi a transposição para o grande ecrã de Resident Evil (uma crítica minha, bastante ilustrativa dessa desilusão, pode ser encontrada aqui), é agradável constatar que o género ainda tem muito para oferecer!

Construindo a sua obra num crescendo de tensão, Boyle consegue criar um ambiente de cortar-à-faca ao longo de todo o filme. Muito desse ambiente deve-se à sólida direcção de actores, à soberba utilização da música de fundo de John Murphy e muito especialmente à direcção de fotografia. Aqueles que têm defendido a fotografia em DV como uma opção estética e económica a ter em conta têm aqui um belo contra-argumento para os cépticos que desconfiam da qualidade do vídeo enquanto formato de captação de imagem: o trabalho do director de fotografia Anthony Dodmantledff é exepcional, conferindo todo um "look" de documentário ao filme (coisa que George Romero também conseguira no seu mítico "A Noite dos Mortos Vivos") e, simultaneamente, fazendo-nos esquecer várias vezes ao longo de 110 mínutos de que estamos a ver uma obra que não foi rodada em película!




O argumento de Garland tem a inteligência de não se limitar a ser um survival-horror linear, dando alguma profundidade às personagens e inserindo uma dose sugestiva de crítica social na história. Tal como na tradição dos melhores filmes do género, "28 Dias Depois" expõe as qualidades e (acima de tudo) os podres dos sobreviventes perante os seus instintos mais básicos, sugerindo que os seres humanos não são assim tão diferentes das criaturas que tanto temem e desprezam. Os elementos de ficção científica de série B funcionam plenamente, e a violência tem a brutalidade que um filme destes necessita, não se esquivando a mostrar um ou outro plano mais "duro" só para garantir um público mais alargado.

É claro que o filme não está isento de erros: a montagem, embora na maioria das vezes justa e adequada (tendo mesmo excelentes momentos nas últimas instâncias passadas na mansão dos militares, por exemplo), é demasiado découpada nalgumas cenas mais movimentadas, deixando o espectador um tanto confuso sobre o que se está a passar; igualmente, os efeitos especiais oscilam entre os muito bons (o make-up dos infectados, o gore) e os menos bem conseguidos (algumas "stills" de Londres, os moínhos de vento na estrada, etc). Mas que são estes pormenores perante o fabuloso resultado final que é "28 Dias Depois"? Pouca coisa, verdadeiramente. O entusiasmo nítido por detrás de cada plano e a pura vontade de fazer um filme de horror por amor ao género são factores suficientemente aliciantes para nos fazer esquecer as pequenas imperfeições da obra.

Propagação

Embora seja um título que só tem dois anos, é justo dizer-se que "28 Dias Depois" já deixou as suas marcas noutros filmes: "O Renascer dos Mortos", o recente (e bastante interessante) remake do extraordinário "Dawn of the Dead" de George Romero, tem nitidamente algumas influências do filme de Danny Boyle. E, como seria de esperar, uma sequela já foi anunciada, justamente entitulada "28 Weeks Later". Resta saber se o duo Boyle-Garland permanecerá ou não nesta nova fita...

28 Dias Depois (28 Days Later). Terror/Ficção Científica. 2002, Inglaterra/Alemanha
Realizador: Danny Boyle
Argumento: Alex Garland
Elenco: Cillian Murphy, Naomie Harris, Christopher Eccleston, Megan Burns e Brendan Gleeson
Produção: Andrew Macdonald
Dir. de Fotografia: Anthony Dodmantledff
Música: John Murphy
Montagem: Chris Gill
Cor, 110 mins.
Site oficial: http://www.28dayslaterthemovie.co.uk/main.html

Disponibilidade




Infelizmente, a edição portuguesa deste título faz parte daqueles deploráveis discos nacionais que empalidecem face às propostas estrangeiras. De facto, o DVD lançado no mercado pela LNK não conta com quaisquer extras, tendo como únicas qualidades o número considerável de legendas à disposição (17) e o facto de manter o aspect-ratio de 1.85:1. Para o preço de 26,90€ a que está posto à venda, é pouco, muito pouco mesmo...

...sobretudo tendo em conta a riqueza das edições estrangeiras: de facto, uma pesquisa na net revela que a edição portuguesa é uma cópia "quase" directa da versão-light do DVD proposto pelos franceses, não tendo grande coisa a ver com a edição normal do filme, também editada na Bélgica.

Igualmente, os discos ingleses, espanhois e norte-americanos (tendo estes últimos disponíveis uma versão Full-Frame e uma Widescreen por onde escolher) contêm os mesmos extras:

Comentários de audio do realizador Danny Boyle e do argumentista Alex Garland; trailers de cinema; três finais alternativos com comentários de audio opcionais; seis cenas eliminadas na montagem com comentários de audio opcionais; o documentário "Pure Rage: The Making of 28 Days Later"; um videoclip da banda Jacknife Lee; storyboards animadas extraídos do website original & galerias de fotografias com comentário de audio do realizador.

Portanto, se não quiserem ficar pelo aluguer, o melhor mesmo é dar uso às lojas online...

terça-feira, julho 13, 2004

Bloco de notas: Para aqueles que a partir de amanhã vão ter MUITO stress...

Este pequeno apontamento é só para desejar uma boa sorte a todos os candidatos à Escola Superior de Teatro e Cinema que, amanhã, irão iniciar o período das temíveis entrevistas de acesso. Quem passou por isso sabe o que custa mas não se deixem intimidar e, lembrem-se, o que conta é a VOSSA paixão pelo cinema. Sejam, acima de tudo, sinceros.

E com isto, disse a minha lamechice...

(lista de candidatos à entrevista aqui.)

Notícias: Palmarés do Festival de Vila do Conde

Mais um Festival de Curtas-Metragens de Vila do Conde chegou ao seu fim e a lista dos premiados já está desde ontem publicada online. Eis os resultados:

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Competição Nacional e Internacional


Grande Prémio Animação
PANIQUE AU VILLAGE : LE GRAND SOMMEIL, de Stephan Aubier e Vicent Patar (Bélgica) - 1

Grande Prémio Documentário - Manoel de Oliveira - patrocinado pelo Governo Civil do Porto
UNTERTAGE, de Jiska Rickels (Holanda) - 2

Grande Prémio Ficção - Cidade de Vila do Conde - patrocinado pela Câmara Municipal de Vila do Conde
FRAGILE, de Jens Jonsson (Suécia) - 3

Grande Prémio Experimental
OH DEAR..., de Nicholas Provost (Bélgica) - 4

Menção Honrosa Ficção
EXOTICORE, de Nicholas Provost (Bélgica) - 5

Prix UIP Vila do Conde, prémio para a melhor curta metragem Europeia
LOVE ME OR LEAVE ME ALONE,
de Duane Hopkins(Reino Unido) - 6

Prémio de Audiência - patrocinado pelo Jornal de Notícias.
(melhor média de votação a atribuir pelo público espectador do Festival)
SURPLUS, de Erik Gandini (Suécia) - 7


Competição Nacional


PRÉMIOS PARA A MELHOR CURTA METRAGEM PORTUGUESA

A OLHAR PARA CIMA, de João Figueiras

Prémio Tóbis, patrocinado pela Tóbis Portuguesa, SA. e Prémio Kodak, patrocinado pela Kodak Portugal, SA., para o produtor.
O Som e a Fúria
Sandro Aguilar e João Figueiras

Jameson Short Film Award para o Realizador - patrocinado pela Jameson Irish Whiskey.
João Figueiras

Prémio Jovem Cineasta Português - patrocinado pelo Instituto Português da Juventude.
Tiago Afonso, pelo filme Vestígios

Prémio para a melhor cinematografia - patrocionado pela AIP
Paulo Ares, pelo filme A OLHAR PARA CIMA

Prémio para a melhor interpretação feminina em Língua Portuguesa - patrocinado pelo Instituto Camões
Rita Durão, no filme O ESTRATAGEMA DO AMOR

Prémio para a melhor interpretação masculina em Língua Portuguesa - patrocinado pelo Instituto Camões
Tiago Ávila, no filme A OLHAR PARA CIMA

Prémio Take One!
AGUENTA RAPAZ de Manuel Vilarinho

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Não posso dizer grande coisa sobre o panorama internacional pois, para minha grande pena, não conheço nenhum dos realizadores acima citados.

No entanto, uma pequena interrogação sobre a competição nacional: porque é que fica sempre a sensação no ar de que os filmes da produtora "O Som e a Fúria" ganham os prémios nacionais todos os anos?

Fonte: Site Oficial do Festival de Curtas-Metragens de Vila do Conde

sábado, julho 10, 2004

Antevisão: "Sorte Nula" de Fernando Fragata

Tem causado algum burburinho na secção "Comente aqui" do Cinema2000 a discussão acerca de uma nova fita portuguesa que ainda está a meses de chegar aos ecrãs lusos - trata-se de "Sorte Nula" de Fernando Fragata, o mesmo realizador que nos brindou com o muito criticado "Pesadelo Cor de Rosa" e o pouco visto mas até bastante elogiado telefilme "Pulsação Zero".

Fernando Fragata, um realizador que começou como escriba de alguns argumentos e como operador de steady-cam em filmes como "Ao Fim da Noite" de Joaquim Leitão e "Nuvem" de Ana Luísa Guimarães, tem assumido na sua obra uma estética ultra-pop que fez com que a crítica deitasse completamente abaixo o seu primeiro filme e, de resto, não lhe tenha prestado grande atenção. "Pulsação Zero" fez parte da última remessa de telefilmes que a SIC produziu e, apesar de ter sido reprogramado à última hora aquando da sua única exibição na estação de Pinto Balsemão (até parecia que o estavam a tentar esconder), conseguiu impressionar muita gente que o viu tanto cá como além fronteiras (vejam-se as reacções bastante favoráveis escritas no IMBD, resultantes da passagem do filme por alguns festivais independentes nos EUA), chegando mesmo a correr o rumor de que Harvey Weinstein da Miramax estaria interessado em adquirir os direitos para um remake do mencionado telefilme!

A trailer disponível no site oficial permite confirmar que o estilo pop se mantém, mas ainda é cedo para retirar quaisquer conclusões acerca da qualidade da fita. O elenco parece interessante (António Feio, Rui Unas, Adelaide de Sousa e a estreia do fabuloso stand-up comedian Bruno Nogueira), mas ainda não consegui perceber bem se a história o é. Em todo o caso, parece ser (pelo menos uma tentativa de) uma pedrada no charco nesse rio seco que é o Cinema Português, portanto há que esperar para ver mais. O filme está agendado para estrear em Dezembro pela mão da Lusomundo. A seguir...

terça-feira, julho 06, 2004

"La Jetée" - Quando o Experimentalismo é uma Arte



This is the story of a man, marked by an image from his childhood. The violent scene that upsets him, and whose meaning he was to grasp only years later, happened on the main jetty at Orly, the Paris airport, sometime before the outbreak of World War III. (...) Later, he knew he had seen a man die. (...) And sometime after came the destruction of Paris.

Com estas palavras inicia-se a narração de "La Jetée", feita em off enquanto várias fotografias vão sucessivamente dando lugar a outras. A Terceira Guerra Mundial, contam-nos, arrasou Paris e condenou muitos dos seus habitantes a viverem nos subterrâneos de Chaillot. Os sobreviventes dividem-se entre aqueles que acreditam terem saído vitoriosos e aqueles que se deixaram ser aprisionados por esta nova ordem. São estes últimos que são submetidos a estranhas experiências pela parte dos cientistas que tentam encontrar alguma maneira de remediar os estragos causados ao planeta. A viagem no tempo, a procura de alguma solução no Passado ou no Futuro, torna-se uma possibilidade. É aqui que surge o Homem descrito no texto inicial: o conhecimento da sua obsessão por uma imagem do seu passado leva os cientistas a escolherem-no como cobaia para tentarem enviá-lo algures no tempo em busca de uma solução. Mas encontrará? Quando a misteriosa Mulher de que tão bem se lembra das suas memórias do aeroporto de Orly lhe surge à frente dos olhos, a fronteira entre o passado, o presente e o futuro parece deixar de existir.

Corria o ano de 1962, a Nouvelle Vague francesa já dava os seus primeiros passos mostrando ao mundo que o cinema podia ir muito mais além do que aquilo que os apoiantes do "cinéma du papa" nos ofereciam. Era a altura de experimentar novas ideias, novas maneiras de construir os filmes. Embora não fosse um dos membros do movimento, Chris Marker ficou célebre por, nesse ano, ter estreado uma curta-metragem que desafiava todas as convenções até aí estabelecidas: um filme de ficção científica contado (quase) totalmente pela sucessão de imagens estáticas/fotografias, usando a voz-off como motor principal da narrativa. Vinte e nove minutos após o arranque do projector, história tinha sido feita.



"La Jetée" é um filme deslumbrante. Se a ideia pode à partida parecer pouco apelativa e potencialmente pedante, o resultado supera todas as expectativas. Talvez a maior proeza do filme seja a sua inigualável capacidade de ser simultaneamente experimental e extremamente apelativo. Embora Marker seja um experimentalista nato e opte por contar a sua história de uma maneira muito pouco convencional, nunca, nem num só fotograma, o filme se torna aborrecido. Nem nunca esta vontade de contar a história por imagens estáticas soa pretenciosa. Isto porque Marker não olha com desdém para o espectador nem está interessado em simplesmente fazer uma "manta de retalhos" de imagens e músicas bonitas. Aqui, a forma não deturpa aquilo é talvez o mais importante: a narrativa. Estamos perante uma história de ficção científica intimista magnificamente construída e soberbamente contada, digna de um romance de Phillip K. Dick, e que espanta tanto mais que quebra com a maior eloquência do universo um dos grandes "dogmas" da escrita de argumento: o uso alargado da voz-off. Aqui, ela é não só essencial como também tão expressiva quanto os actores que surgem diante dos nossos olhos. E não deixa de ser incrível que um filme composto inteiramente por planos estáticos consiga ter um ritmo de tal forma fora do comum que os vinte e nove minutos que o compõem passam a voar. Isto é sobretudo devido a uma montagem prodigiosa que, mais do que simplesmente limitar-se a alinhar belíssimas fotografias, fusiona o som e a imagem de uma maneira que nos permite alcançar estados emocionais de uma intensidade tremenda. É o caso da cena da visita ao museu, onde a realização atinge momentos de puro lírismo graças à riqueza da imagem (em todos os aspectos: enquadramento, iluminação, composição, mise-en-scène, etc), à fantástica expressividade dos actores e à belíssima música de Duncan. É dos mais belos momentos cinematográficos que o formato da curta-metragem já nos deu. Tal como "La Jetée" é certamente das mais belas curtas-metragens que já vi,muito graças, de novo, às interpretações notáveis de todos os actores (não se atrevam a chamar-lhes foto-modelos ou foto-actores!), à excepcional banda-sonora (não só a música como toda a mistura de sons, essencial numa obra deste teor) e, claro, à soberba realização de Chris Marker.

Algo para deixar para o futuro



A história de Marker deixou marcas em todo o fã de sci-fi que teve o prazer de a ver, e não é de admirar que tenha inspirado vários realizadores e argumentistas, mesmo que o tema das viagens no tempo não fosse novo (já a "Máquina do Tempo" de H.G.Wells tinha sido adaptada ao grande ecrã dois anos antes). "12 Macacos" de Terry Gilliam é o exemplo mais citado e mais directo, até porque se assume abertamente como um "remake" da curta, mas quem viu Jin-Roh de Hiroyuki Okiura decerto notará o quão "La Jetée" influenciou esse filme: a cena do museu é homenageada quase à la lettre naquele que também é um dos momentos mais belos do filme de animação japonesa. Ou não fosse Mamoru Oshii (argumentista do filme em questão) um grande admirador do realizador francês. As suas temáticas políticas, as questões éticas relacionadas com a viagem do tempo, as consequências das nossas obsessões, são problemas que soam hoje tão preocupantes como na década dos Beatles. É sinal de que a obra conseguiu passar o teste do tempo e, sobretudo, marcar novas gerações de artistas. Não será essa a maior das recompensas que o realizador poderia ter?

Há quem diga que o cinema experimental é, por natureza, "ensimesmado", de difícil acesso e somente para o gosto de minorias ou "públicos restritos" (eufemismo politicamente correcto de "elites intelectuais"). É esta ideia de cinema experimental, aliás, que parece ainda pairar na mente de muitos realizadores portugueses. Talvez fosse bom convidá-los a (re)ver "La Jetée", mas desta vez com um bloco de notas à mão para anotar as possíveis razões por que o filme funciona tão bem sendo tão distintamente exótico.

La Jetée. Ficção Científica/Drama. 1962, França
Realizador: Chris Marker
Elenco: Jean Négroni (narrador), Davos Hanich (O Homem), Hélène Chatelain (A Mulher), Jacques Ledoux (O Cientista), André Heinrich, Jacques Branchu, Pierre Joffroy, Étienne Becker, Philbert von Lifchitz, Ligia Branice, Janine Klein , William Klein, Germano Faccetti
Produtor: Anatole Dauman
Dir. de Fotografia: Jean Chiabaut & Chris Marker
Música: Trevor Duncan
Montagem: Jean Ravel
Montagem de som e misturas: Antoine Bonfati
P/B, 29 min.

Disponibilidade

Existem duas edições em DVD de "La Jetée" que podem ser adquiridas na net. Uma delas é uma box editada na França que inclui tanto esta curta-metragem como a longa "Sans Soleil", também de Chris Marker. Contém tanto a versão francesa como a inglesa, mas o preço é algo elevado. Uma versão ligeiramente diferente desta box existe em edição britânica da Warner Studios, mas a faixa de audio francesa parece ter desaparecido misteriosamente. Outra alternativa é adquirir a colectânea de curtas-metragens "Short 2 - Dreams" onde a obra de Marker está incluída e que (de acordo com a Amazon) até parece ter uma faixa de comentários do realizador (?) que deverá ser interessante. No entanto, só a versão falada em inglês está disponível neste disco.

sábado, julho 03, 2004

Editorial - Introdução e Declaração de Princípios

«"Todo" é aquilo que tem princípio, meio e fim. "Princípio" é o que não contém em si mesmo o que quer que siga necessariamente outra coisa, e que, pelo contrário, tem depois de si algo com que está ou estará necessariamente unido.» - Aristóteles, in "Poética".

A citação de Aristóteles, tirada da obra que (provavelmente) ditou as primeiras teorias sobre as fundações da narrativa ocidental (e cujos "princípios" ainda hoje influenciam a escrita de argumentos em todo o planeta), parece-me sempre adequada para dar o "pontapé de saída" num texto inaugural, mesmo que esse texto seja só para dar início a um mero blog que tem como tema a Sétima Arte.

Uma questão impõe-se: para quê mais um blog de cinema quando esse mar quase infinito de informação que é a internet já se encontra povoado por vários e tão distintos exemplos?

O CineArte assume-se como um blog sobre cinema escrito em português que quer ser diferente dos demais que maioritariamente abundam pela blogosfera. Com isto, não quero dizer que este ambicione ser um projecto megalómano ou revolucionário. Nem-se propõe, com este blog, "educar" um eventual pobrezinho leitor com as sábias palavras arrogantes de quem consegue escrever sobre um filme sem dizer nada sobre ele. Simplesmente pretendo que o que surgir aqui escrito possa levar os seus leitores a conhecer este ou aquele cineasta, a darem uma hipótese a outra cinematografia que desconheciam, a voltar a pensar naquela sequência daquele filme, a relembrarem-se da razão porque gostaram (amaram?) tanto (d)aqueles noventa ou cento e vinte minutos que passaram em frente a um ecrã, seja ele grande ou pequeno. Acredito piamente que a paixão do cinema é algo que deve ser partilhado. Se o que aqui surgir possa, por vezes, parecer presunçoso, arrogante ou pura e simplesmente despropositado, será simplesmente devido a um discurso movido por essa mesma paixão. E a paixão, como sabemos, por vezes é díficil de controlar...

Por aqui surgirão as obras dos mais diversos cineastas das mais diversas cinematografias nos mais diversos géneros e estilos. A ideia não é "fazer uma crítica de um filme" no sentido mais popular do termo (aquela que se pode reduzir à quantidade de estrelas dada no fim do texto ou apresentada em gloriosas tabelas comparativas) mas sim escrever sobre ele. Paralelamente, há a ideia de apresentar, esporadicamente, dossiers sobre certos temas, realizadores, etc. Só o tempo (e a disponibilidade) ditarão a sua real concretização.

Para já, é um projecto a solo levado a cabo por um mero estudante de cinema. Mas isso não quer dizer que, com o fluir do tempo e da escrita, o corpo da redacção (se assim o pudermos chamar...) não vá aumentar e contribuir com novas e preciosas ideias. Entretanto, e como a grande mais-valia da net é a comunicação entre os seus utilizadores, a barra de "comments" está aberta a todas as palavras que aqui queiram deixar. Serão muito bem vindas!