segunda-feira, dezembro 15, 2008

Em defesa da cultura e das ideias

Ao estrear a edição espanhola do DVD da série Monster, fui presenteado, poucos segundos depois de colocar o disco no leitor, com uma publicidade anti-pirataria. Para meu espanto, não se trata do mesmo anúncio que conhecia de diversos DVDs adquiridos ou alugados nos últimos anos, mas sim de um clip original financiado pelo Ministério da Cultura de Espanha, realizado por uma equipa espanhola e dirigido especificamente ao mercado espanhol (onde, diga-se, os números de pirataria são bem grandes). E, para minha estupefacção, gostei muito do spot! 

O que tem de tão especial a publicidade espanhola? Diria, antes de mais, o tom: em vez de tratar o espectador como uma criança que deve ser assustada com as consequências de um download de um ficheiro Torrent ou de uma visita "frutífera" à Feira da Ladra, o clip visa realçar o valor da cultura e o valor das ideias na nossa existência humana, defendendo que estas têm que ser protegidas e não deixadas ao abandono. "Defende a tua cultura" é o slogan da campanha. Formalmente, o spot é construído com uma montagem lenta e suave, acompanhado de uma música calma que não me distrai da mensagem que a publicidade visa transmitir. Saio do visionamento deste spot a sentir-me respeitado por quem o fez. Consequentemente, o seu apelo toca-me.



É um contraste absolutamente notório com o outro spot a que já aludi. Quem tenha comprado DVDs (tanto nacionais como internacionais) nos últimos anos certamente já terá visto a campanha publicitária que, à falta de um título melhor, podemos designar por "Você não roubaria um filme". Este spot, que também já passou pelos ecrãs grandes, é marcado por um tom agressivo tanto a nível das mensagens de texto como das formas visuais e sonoras (a música e a montagem, em especial, parecem estar constantemente a tentar martelar na cabeça do espectador!). A moral da história é feita através da comparação entre diversas formas de pirataria (download, compra nas feiras, etc.) e o roubo de um carro ou de uma mala. E, claro, acaba com uma ameaça: esta actividade é um crime, e quem o cometer pode apanhar vários anos de prisão e uma multa dolorosa!!! Sinto que quem fez este spot pensa que o espectador é uma criança ingénua que tem de saber que se brincar com o fogo, queima-se. Mas eu não sou uma criança...




Além de tudo isto, tem uma outra característica particularmente irritante: surge no início do carregamento de cada disco e não pode ser saltado - o comando do utilizador fica bloqueado e este tem mesmo de o aturar caso queira ver o filme que o spot acompanha. Se alguém quiser ver uma série de TV (como "Alfred Hitchcock Apresenta", cuja box conta com a presença do spot), e fizer questão de ver um episódio de cada vez em sessões diferentes, vai ser forçado a gramar o clip toda e cada vez que o fizer. Outro ponto curioso: só surge em DVDs completamente legais comprados numa loja normal, constituindo, a meu ver, um dos piores incentivos inadvertidos à pirataria...*

A questão da cópia ilegal de filmes é muito mais complexa do que se pode presumir. Mas nem é isso que está em causa na comparação destes dois spots: trata-se, antes de mais, de saber e questionar o modo como as entidades culturais/industriais escolhem lidar com este problema - tratando os espectadores/consumidores como pessoas inteligentes que sabem pensar por si? Ou como uma espécie de infantes crescidos que têm de ser assustados para chegarem à razão?

*Entretanto, o spot tem sido alvo de inúmeras paródias tanto a nível amador como profissional. Deixo aqui duas particularmente bem conseguidas:

segunda-feira, dezembro 08, 2008

"My theory that you should see a movie on a big screen is sound, but utopian."

A frase que serve de título a este post foi escrita pelo crítico Roger Ebert na conclusão do seu artigo sobre os melhores filmes de 2008 e surge a propósito do estado pouco recomendável da distribuição de filmes nas salas de cinema dos EUA.

De facto, um dos aspectos que mais pode chamar a atenção no texto de Ebert sobre o ano cinematográfico que agora chega ao fim é o facto de que vários dos títulos mencionados são uma completa incógnita não só para espectadores deste lado do oceano Atlântico como, também, para os do país onde tal lista foi elaborada. Da mesma maneira que é difícil para um espectador português ter a diversidade e a possibilidade de escolha de um congénere parisiense, no país que mais filmes exporta para todo o mundo também pode ser uma odisseia conseguir ver a mais recente obra de um realizador conceituado simplesmente porque se vive no Kentucky e não em Nova-Iorque.

É aqui que os novos suportes de distribuição digital desempenham um papel deveras importante, como confirma Ebert ao afirmar que "This is a time when home video, Netflix and the good movie channels come to the rescue." De facto, torna-se muito difícil contestar o poder do DVD, dos Blu-Ray e dos downloads (legais ou não, isso é outra história...) na divulgação de filmes que, normalmente, seriam barrados pelos imperativos económicos de chegarem ao(s) público(s) que os quer(em) ver. E não esqueçamos, já agora, a importância que as televisões, com especial incidência para os canais dedicados à sétima arte e aos "generalistas" que organizam ciclos, têm, através da exibição de clássicos, na formação do gosto e da cinefilia de muita gente que não tem acesso a um espaço como a Cinemateca Portuguesa. Sem estar sequer perto de perder o gosto por ver os filmes no grande ecrã, Ebert revela, nestas duas simples frases, uma frescura de pensamento em relação à evolução tecnológica do cinema que é salutar e, a meu ver, exemplar.