domingo, junho 28, 2009

THE AUTEURS – Uma outra forma de lidar com a net


Com tanta agitação actualmente em torno do tema da pirataria (cujo ponto mais fascinante será, certamente, a recente eleição, na Suécia, de um deputado do Partido Pirata para o Parlamento Europeu), vale a pena chamar a atenção para um novo serviço baseado na Internet que procura alterar as regras do jogo e oferecer uma alternativa viável e legal às pessoas que descarregam filmes através dos programas peer-to-peer.

The Auteurs é um site norte-americano que fornece acesso a uma imensa selecção de filmes de qualidade para visionamento em streaming de óptima definição – nele podemos encontrar títulos tão distintos como “Dogville” de Lars Von Trier, “O Despertar da Mente” de Michel Gondry, “Mulholland Drive” de David Lynch, “A Aventura” de Michelangelo Antonioni e inclusive algumas obras portuguesas como “O Fatalista” de João Botelho.

Cinema de autor, cinema independente, alternativo/experimental, clássico e mainstream sem ser “desprovido de visão pessoal” constituem o núcleo duro do catálogo do site. Os filmes estão disponíveis online através de protocolos assinados com entidades tão reputadas como a editora norte-americana The Criterion Collection e a World Cinema Foundation de Martin Scorsese – estando os títulos restaurados por esta última, aliás, a ser disponibilizados gratuitamente (e para todo o mundo) no site num gesto de verdadeiro serviço público que só se pode aplaudir de pé.

O preço médio de cada visionamento (para Portugal) é de cinco euros, sendo que o utilizador tem direito a ver o filme escolhido por um número de vezes limitado. Para além do serviço de video-on-demand através da consulta do catálogo, a apresentação dos filmes também é feita através de ciclos temáticos organizados pela equipa do site, e estes são complementados com artigos e dossiers criados especificamente para as suas páginas. Também funciona como uma espécie de rede social baseada nos modelos do FaceBook, MySpace ou Hi-5, tendo como enfoque principal os gostos cinematográficos definidos no perfil de cada um dos utilizadores. Existe igualmente um fórum onde se discutem os mais diversos temas (até o cinema português!) e onde a conversa geralmente mantém um nível argumentativo sólido. No fundo, procura-se criar um espírito de comunidade cinéfila num espaço virtual onde se pode alugar filmes.

Apesar das várias virtudes deste projecto há, no entanto, alguns defeitos que não o tornam tão apetecível quanto poderia ser e que merecem ser mencionados:

1 – O preço dos downloads é, sobretudo para um mercado não propriamente rico como o português, manifestamente elevado. Cobrar cinco euros (aquele que era, até há pouco tempo, o preço normal de um bilhete de cinema por estas partes) pelo visionamento em streaming de um filme de catálogo que o utilizador não pode guardar é um exagero que irá afastar muitos espectadores que prefiram gastar um pouco mais (ou, em vários casos, o mesmo ou menos!) para comprar a obra em DVD numa loja física ou online. Se o objectivo do serviço é ser uma espécie de evolução dos alugueres clássicos feitos num vídeoclube, os preços praticados deveriam ser semelhantes, ou seja, nunca superiores a qualquer coisa como 2,5 euros. E quando ficamos a saber que os nossos congéneres norte-americanos pagam cinco dólares (cerca de 3.55 euros, à hora a que escrevo isto) pelo mesmo serviço...

2 – A tecnologia streaming é impecável, não tendo absolutamente nada a ver com a qualidade dos vídeos do YouTube, mas deveria haver a possibilidade de se guardar o filme visionado, nem que seja por um preço adicional. Percebe-se que o streaming tenha sido adoptado de modo a evitar uma subsequente pirataria dos filmes descarregados do site, mas seria preferível utilizar uma tecnologia que permita o armazenamento legal dos filmes. Um dos aspectos mais característicos da cinéfilia é, precisamente, o coleccionismo, uma vertente completamente impossibilitada pelo streaming.

3 – Apesar do notável esforço de se demarcar dos restantes sites de video-on-demand que só disponibilizam os seus filmes para download em territórios específicos, o catálogo à disposição dos internautas portugueses está ainda bastante limitado aos títulos da distribuidora Atalanta Filmes – existem algumas honrosas excepções como o “After Life” de Hirokazu Koreeda ou o “Akarui Mirai - Bright Future” de Kiyoshi Kurosawa, mas o grosso dos filmes são os mesmos que podemos encontrar numa FNAC na secção de Cinema de Autor a um preço um pouquinho mais caro do que aqueles praticados no site (com a diferença significativa do cliente poder guardar os DVDs e vê-los as vezes que desejar durante o tempo que quiser). Note-se que as razões para estas limitações apontadas pelos responsáveis pelo site são completamente válidas: como cada filme tem os seus direitos comprados para cada país por editoras distintas, é certo que é difícil negociar com todas estas e conseguir acordos razoáveis, sobretudo quando, nalguns casos, só se quer comprar os direitos de um filme específico; e sim, é óbvio que é mais fácil negociar um catálogo inteiro do que um título em particular. Mas falta ainda dar alguns passos para tornar a selecção verdadeiramente “completa”, e acredito plenamente que sejam dados com a evolução do serviço.

4 – Por último, quem não conseguir ler inglês fluentemente vai passar alguns maus bocados, já que nem todos filmes disponíveis são apresentados com legendas em português (muitas vezes, a única opção disponível é a de legendas em inglês para filmes cuja versão original não é falada na língua de Shakespeare). Seria igualmente salutar que o site pudesse oferecer o download das legendas de cada filme à parte consoante as preferências do cliente. Pode parecer uma piquinhice numa época em que o inglês assume o papel de “novo latim”, mas é mais um aspecto que pode ser melhorado e que ajudará a aliciar novos espectadores.

Não se pretende, com estas observações, denegrir os objectivos do site – pelo contrário, creio que “The Auteurs” é um passo em frente significativo e inteligente no combate à pirataria e à consolidação do video-on-demand como nova janela de exibição, simplesmente precisa de ser aperfeiçoado aqui e ali. Para um projecto que ainda está na fase BETA, só se pode elogiar aquilo que já se conseguiu.

Acima de tudo, nota-se que The Auteurs é feito e mantido por pessoas que nitidamente amam o cinema, que têm uma visão verdadeiramente cinéfila do relacionamento de um espectador com um filme – e este é um aspecto nada negligenciável nestes tempos que correm.

quarta-feira, junho 10, 2009

O espólio de um mestre

Descobri recentemente nas páginas do Ípsilon que, para grande alegria de qualquer cinéfilo que se preze, está a ser colocado online grande parte do espólio do mestre Akira Kurosawa no site Kurosawa Digital Archive. Estão incluídos, entre outras preciosidades, story-boards, notas de produção e fotografias de rodagem bem como alguns itens mais peculiares - como um artigo escrito pelo cineasta japonês a elogiar a obra de John Cassavetes!

Para já, o site só está disponível em japonês, mas uma versão em inglês está prometida para breve - e o facto da navegação ser bastante simples e intuitiva só deve encorajar qualquer apreciador da obra do autor de "Os Sete Samurais" a passar algum tempo a explorar estes fabulosos arquivos.

Bill got killed...


David Carradine (08/12/36 - 03/06/09)

(Já vem com uma semana de atraso, mas não queria de modo nenhum deixar passar ao lado...)