Joel Barish (Jim Carrey), um homem de carácter introvertido, descobre que a sua excêntrica namorada Clementine (Kate Winslet) recorreu a uma estranha operação para apagar todas as memórias que tem dele. Joel descobre a companhia que fez a operação e pede, num misto de "vingança ciumenta" e incompreensão, para submeterem-no ao mesmo procedimento. Só que a operação levar-lhe-á a fazer uma viagem pelas suas memórias da sua vida com Clementine e, uma vez iniciado o processo de apagamento, Barish redescobre as razões porque se apaixonou pela rapariga e porque a sua relação falhou, tendo que derradeiramente fazer uma escolha definitiva: esquecer ou lembrar.
Só agora tive a oportunidade de ir ver "The Eternal Sunshine of the Spotless Mind - O Despertar da Mente" de Michel Gondry, dois meses depois da sua estreia, numa sessão única à meia-noite no Monumental (na mesma sala que, habitualmente, está a projectar o Shrek 2). E devo dizer que se o Verão tem andado a justificar a sua alcunha de "silly season", a permanencia de filmes como este em cartaz é de nos deixar um pleno sorriso na cara.
O argumento de Charlie Kaufman (autor dos scripts de "Queres Ser John Malkovich?" e "Inadaptado") é, mais uma vez, absolutamente fabuloso. O seu talento de compor personagens fantásticas em situações extraordinárias mantém-se intacto, bem como a sua capacidade de jogar com (e contra) as convenções tradicionais da escrita de argumento de modo a tornar toda a história mais interessante. Isto porque o filme, abordando o tema da memória e das nossas recordações afectivas (um tópico que certamente faria a delícia de Alain Resnais, cujo "Hiroshima, meu Amor" parece ter influenciado a história aqui e ali), está contruído como se ele próprio se tratasse de um conjunto de memórias erráticas que caminha para a sua progressiva clarificação. Constroi-se como um puzzle, mas vive-se (e sente-se) com uma intensidade rara. É uma das histórias de amor (ou sobre o amor) mais sincera e genuinamente românticas que o ecrã nos deu nos últimos tempos.
Mas se é verdade que o argumento é um elemento determinante, não podemos esquecer (injustamente) a contribuição do realizador Michel Gondry, da directora de fotografia Ellen Kuras e do montadora Valdís Óskarsdóttir para o belo todo que é este filme. O primeiro porque, ao contrário de que muitos têm especulado, usa inteligentemente a sua herança de realizador de video-clips para dar ao filme o seu "quê" de fantástico e surreal que necessita, sobretudo nas sequências passadas na memória de Barish, onde os efeitos especiais que sugerem o "apagamento" das recordações revelam-se um prodígio que, ao contrário de muito do que se vê no cinema actual, contribui para a narrativa em vez de ser simplesmente um mero fogo de artifício visual. A segunda porque a imagem tem um papel fulcral raramente visto, com a câmara a usar o foco e o desfoco para sugerir o estado da memória de Barish; e por fim a montagem que, talvez mais do que tudo, constroi o ambiente confuso e perdido da mente de Barish, funcionando com a precisão de um relógio. E há, claro, as interpretações dos actores...
...e que interpretações! Jim Carrey, de novo, mostra que é muito mais do que um actor de caretas, conferindo à sua personagem uma complexidade dramática que assenta muito mais nos pequenos pormenores de comportamento do que em expressões corporais exageradas. São poucos os actores que conseguiriam fazer este papel com a mesma entrega e seriedade de Carrey. Kate Winslet, que parece determinada a mostrar que tem uma gigantesca versatilidade e que é muito mais do que a "Titanic Girl", está deslumbrante do princípio ao fim num papel que poderia facilmente cair na caricatura mas que, graças ao soberbo trabalho da actriz britânica, consegue ser profunda. E nos secundários há que destacar a energia de Kirsten Dunst, a sobriedade de Tom Wilkinson, a surpreendente timidez de Elijah Wood e a solidez de Mark Ruffalo.
(Spoiler Alert) Incrivelmente, um dos elementos que parece destoar é o plano final do filme. Porque não acabou o filme com aquele (lindo) diálogo entre Winslet e Carrey? De onde veio a necessidade de fechar o filme com um plano de neve que nos deixa (literalmente!) ao frio? (Spoiler End)
Mas para dizer verdade, pouco interessa. Não é certamente por este pequeno defeito que o filme será recordado...
O Despertar da Mente (Eternal Sunshine of the Spotless Mind). Drama. 2004, EUA.
Realizador: Michel Gondry
Argumento: Charlie Kaufman
Elenco: Jim Carrey, Kate Winslet, Kirsten Dunst, Mark Ruffalo, Elijah Wood, Tom Wilkinson
Produção: Anthony Bregman & Steve Golin
Dir. de Fotografia: Ellen Kuras
Música: Jon Brion
Montagem: Valdís Óskarsdóttir
Cor, 108 mins.
Tradução: Fátima Chinita
Site oficial: http://www.eternalsunshine.com/