domingo, outubro 10, 2004

DVD killed the Video star


Outro dia, depois de uma jornada de aulas particularmente cansativa, decidi dar um salto pelo meu videoclube para alugar um filme que sabia que tinham em catálogo - "Terror na Ópera" de Dario Argento.

Chego lá e deparo-me com uma situação que me deixou um tanto despedaçado - um cartaz com a inscriçao "Liquidação Total de videocassetes - €1 por VHS" junto a uma prateleira com todas as VHS que o videoclube costumava ter, sendo que estas não estavam ordenadas nem por ordem alfabética, nem por género nem por nada. Não perguntei as razões por esta liquidação ao rapaz que estava na caixa, mas também não era preciso - bastava olhar para as restantes prateleiras para ver que o DVD estava a reclamar a totalidade da loja, e o VHS, formato há muito condenado a sucumbir ao disco digital versátil, tinha finalmente hasteado a bandeira branca. Infelizmente, parece-me.

Faço parte de uma geração que nasceu e cresceu com o VHS. Vi uma grande parte dos filmes que formaram a minha cinéfilia neste formato, e algumas das memórias mais ternas da minha infância são daqueles momentos em que passava largos minutos com os meus pais e o meu irmão a escolher quais os dois filmes de três dias que iamos levar para casa. Através das cassetes do videoclube, conheci os clássicos de Hitchcock, Eisenstein, Kubrick ou Coppola; os filmes de terror de série B e os de culto de Sam Raimi ou John Carpenter; os grandes "blockbusters" e os filmes "de autor"; as comédias geniais e as intragáveis; algumas das mais variadas séries de animação; e até títulos que hoje considero mediocres mas que na altura me encantaram! Custou-me tremendamente ver aquelas cassetes, muitas das quais me lembro de ter tido em casa numa altura ou noutra da minha vida, estarem agora a serem desprezadas e dispensadas ao preço de dois cafés. É a ordem natural das coisas, claro - afinal, ainda me lembro daquelas estranhas cassetes (que vim a descobrir chamarem-se BETA...) terem também desaparecido de um dia para o outro das poucas prateleiras em que se encontravam. Talvez por nunca terem feito parte da minha vida, não me custou nada vê-las sumir das estantes. Mas com o VHS...

Não é que não estivesse à espera que isto viesse a acontecer. Mas creio que uma das funções que um videoclube deve(ria) ter é a de arquivo cinematográfico local, como que um "banco de memórias" sempre acessível a todos por um preço irrisório. Ao desembaraçarem-se daquelas VHS, não é só das fitas magnéticas e das caixas de plástico que se estão a livrar, mas também de todo um conjunto incalculável de títulos que dificilmente voltaremos a ver em DVD, pelo menos em Portugal. É uma certa memória (ou imaginário) colectiva que desaparece. E isso não consigo deixar de achar lamentável.

Lá encontrei e comprei o "Terror Na Ópera", numa edição da já exinta Videotime. Só uns dias mais tarde é que pude ver o filme. E então, o efeito nostalgia fez-se sentir: os avisos do copyright, as trailers de filmes relativamente conhecidos misturadas com as de títulos quase totalmente obscuros, as legendas ultra-grossas, a qualidade de imagem nunca impecável devido aos fracos telecinemas que se realizavam na altura (mas que deixaram um "charme" incrível em certos filmes), o genérico final recheado de riscos graças aos leitores de vídeo deficientes por onde terá passado a cassete... Creio que percebi, nos 90 minutos de duração do filme, o que é que os apologistas do LP sentem quando dizem que o CD pode ser maravilhoso, mas que o disco de vínil terá sempre o seu encanto...

4 comentários:

eli disse...

Engraçado, hoje só ouvi discos de vinil. É tão inenarrável o que senti que no meu blog registei "hoje: império do vinil".
Gostei do tom da escrita.
Boa semana.
Abração. T.

eli disse...

....oh! :(
Deixo o meu abraço.

Anónimo disse...

não conhecia o teu blog e vim cá ter à procura de outra coisa. e, olha, fiquei bem surpreendida. :)
só para dizer que lá em casa usávamos o sistema betamax (ou beta), das cassetes mais pequenas... oh, as saudades! era basicamente igual ao vhs... só que um sistema pegou, e o outro não. ou seja, quando os outros putos tinham cassetes para emprestar... as nossas, com horas de tom & jerry gravadas, não serviam a ninguém. :)

ana
meiadeleite@gmail.com

Ricardo Gonçalves disse...

Antes do mais, queria agradecer pelo simpático comentário deixado no blog, um texto que recebe feedback é sempre mais gratificante para quem o escreve! :)

O sistema Betamax tem uma particularidade histórica espantosa - é que mesmo na altura em que o seu rival maiorzinho se impôs, já estava comprovado que, tecnicamente, o Beta até era superior ao VHS! Creio que por razões de produção das cassetes e devido à maior difusão do VHS (embora não possa garantir com certeza absoluta), a história acabou por tomar o rumo que tomou! Uma excelente (e muito divertida!) explicação das guerras destes dois formatos pode ser vista no episódio nº 18 da fabulosa série de animação Cowboy Bebop. Curiosamente, no episódio em questão ("Speak like a Child"), tanto as BETA como as VHS são vistas como formatos arcaicos cujos leitores são considerados objectos de relíquia dificílimos de encontrar em qualquer parte do universo! E a série passa-se em 2071! No entanto, aqui estamos em 2004, e já se torna difícil encontrar as cópias em VHS dos filmes que formaram a nossa cinéfilia...

Volta e comenta sempre, as palavras são sempre bem vindas aqui! :)