Como se está a tornar hábito (chato) por estes lados, só agora é que consegui ir assistir ao filme que arrebatou a Palma d'Ouro no Festival de Cannes deste ano. Mas em boa hora: "A Turma" de Laurent Cantet é, sem margem para dúvidas, uma das grandes obras cinematográficas de 2008. Espantoso tanto a nível do tratamento dos temas abordados (a educação "dentro das paredes" da sala de aula) como da própria concepção formal e narrativa, a mais recente longa-metragem do autor de "Recursos Humanos" é uma pedrada no charco que merece ser vista e discutida por toda a gente, não só por pessoas ligadas à área da educação ou do cinema.
É conveniente sublinhar que Cantet não quer pregar uma pedagogia neste filme: não estamos perante um típico "conto inspirador" de um professor que vem pôr uma turma difícil na ordem ao revelar-lhes as pessoas extraordinárias que são. François, o professor e protagonista da história, é um ser humano falível, capaz tanto de conduzir uma aula de uma turma problemática com inegável mestria como de errar, de assumir uma postura questionável perante um aluno ou até mesmo descontrolar-se. Da mesma maneira, um aluno problemático pode num momento surpreender-nos com uma atitude ou um gesto reveladores do seu real potencial como, no seguinte, voltar a confirmar más expectativas.
O ser humano enquanto ser eminentemente complexo - é este fascínio pela personagem enquanto ser falível e não como "exemplo de coerência" que eleva a dramaturgia do filme para um nível inesperadamente elevado e de uma riqueza rara. E, numa altura em que muito se fala do realismo e do naturalismo nas artes representativas, é refrescante ver uma obra que nos dá a ver o interior de uma sala de aula com uma enorme atenção ao pormenor e uma visão não estereotipada das diversas realidades que podemos encontrar nessa mesma sala.
Nesse sentido, é também fascinante descobrir os métodos de trabalho (ou, se quisermos, a aproximação) que o realizador e a sua equipa adoptaram para a feitura do filme*, centrando-se nos temas do livro sem seguir as situações à risca, dando um vasto espaço de improvisação aos seus intérpretes e usando uma estética semi-documental, com uma câmara à mão muito controlada e selectiva. O resultado está à vista: não só a realização é fantástica, como as interpretações de todos os envolvidos, actores e não-actores, é brilhante.
E, claro, para quem apregoe que o cinema de autor é incapaz de conciliar as palmas da crítica com o agrado do grande público, "A Turma" é um dos maiores estalos na cara: para além da Palma d'Ouro e dos elogios da imprensa especializada, o filme de Cantet tem feito uma carreira comercial invejável por onde tem passado. Em Portugal, já ultrapassou a barreira dos 15 mil espectadores. E acredito que não fique por aqui...
* Ler, a este propósito, a extensa e excelente entrevista dada por Laurent Cantet aos Cahiers du Cinema no número 637 da mencionada revista.
2 comentários:
O filme ta mt bom sem duvida. felizmente todos os anos aparecem estas boas surpresas que dao nova vida à 7etima :) Mas nada bate o Dark Knigth este ano! Oscar pó Ledger, se faz favor XD Abraço Ricardo (ja nao passava aki no teu spot ha quase 3 anos LOL Keep up the good work!__ Samuel
Samuel, há quanto tempo!!! :D
Fico contente que tenhas gostado do filme do Cantet, foi mesmo uma das revelações de 2008. Concordo absolutamente que o Dark Knight é um dos filmes do ano, e não me admirava mesmo nada que o Ledger recebesse o Oscar póstumo - não é todos os dias que se tem um desempenho daqueles!
Volta sempre, aguardo mais comentários teus! :)
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