“Na apresentação, em Lisboa, Serra, talvez com alguma ironia, apelidou-se o melhor realizador espanhol desde Buñuel, e queixou-se de uma incompreensão geral do público. Claro que os seus filmes estão reservados a uma elite. Uma elite esteticamente sofisticada, capaz de apreciar a beleza de uma boa fotografia, conhecedora da história do cinema e da sua cumplicidade com as outras artes, e sem sono. Os planos fixos, a montagem minimal, a reduzida acção, repudiam os espectadores mais irrequietos.”
Manuel Halpern, crítica a “O Canto dos Pássaros” de Albert Serra, in JL – Jornal de Letras e Ideias, nº 1004
Não sei o que é pior nesta citação. Não sei se é a típica vitimização do realizador (porque a culpa da má recepção de uma obra é sempre dos espectadores, esses malandros!, nunca do criador, que está sempre à frente do seu tempo...) misturada com uma auto-glorificação que não funciona nem como blague ou, antes, a curiosa descrição da “elite esteticamente sofisticada” que o crítico Manuel Halpern faz.
Acabei por me encontrar mais perturbado com esta assustadora ideia de uma espécie de “espectador de elite”, como se quem for “conhecedor da história de cinema, da sua cumplicidade com as outras artes” e não tiver sono não possa, de maneira alguma, não gostar deste filme. Como se quem aprecie fotografia e não tenha problemas com filmes mais “lentos” não posso achar esta obra oca e superficial porque, se o fizer, passa à categoria de “espectador irrequieto”, uma espécie de mentecapto que não pertence “à elite sofisticada” que sabe como se deve, verdadeiramente, apreciar o cinema. Esta é, simultaneamente, uma visão redutora das pessoas que participam nesse fabuloso ritual que é ver um filme e uma visão “clubista” da arte cinematográfica que só se pode lamentar.
3 comentários:
Meu Caro,
Eu próprio pretendia ser irónico e, no caso deste filme, sinto-me mais próximo do espectador irrequieto ou sonolento.
Gosto do seu blogue... Parece-me um espectador de elite... E eu gosto de ler textos de quem tem alguma coisa para dizer... ou contradizer.
Por favor continue...
Queria assinar com o meu nome o comentário anterior...
De facto, ao ler o texto não notei um tom irónico. Porém, agradeço o comentário - também gosto de ler textos de quem tem algo para dizer ou contradizer.
Volte sempre.
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