segunda-feira, março 09, 2009

Vicky Cristina Barcelona - Cómica Angústia



Não consigo deixar de ficar impressionado com o modo desinteressado como algumas pessoas acolheram a mais recente obra de Woody Allen. Falou-se aqui e ali de uma obra menor, de um filme feito quase “de encomenda”, “a despachar”, com actores atraentes a fazerem bons números e o realizador a entreter-se filmando belas imagens de “bilhete postal” de Barcelona e de Espanha, faunas bem diferentes da sua mui familiar Nova Iorque, palco quase natural do seu universo cinematográfico. Em suma, uma comédia light agradável, estival, bem construída, mas esquecível e, sobretudo, irrelevante no contexto da obra de Allen.

Ora, não sendo “Vicky Cristina Barcelona” um “Annie Hall” (nem tendo obrigação de o ser), o que temos neste filme enganadoramente descontraído é um discurso incrivelmente angustiante sobre as relações amorosas, com um ponto de vista pessimista que faz lembrar algumas obras de Ingmar Bergman. Há comedia, sim, há vários momentos em que nos rimos alegremente do que se está a passar no ecrã – mas o modo como o realizador desconstrói dois pontos de vista absolutamente antagónicos sobre o amor (uma visão, mais “conservadora”, de Vicky e outra, mais “liberal” de Cristina) e nos mostra o imenso vazio das personagens após todos os acontecimentos atribulados por que passam no Verão que o filme relata relembra-nos de que estamos perante uma análise das relações humanas (e das nossas noções do amor) que não é nada superficial.

Como praticamente todos os filmes de Woody Allen, esta é uma obra que realça o trabalho dos actores, e é quase óbvio destacar a prestação premiada de Penélope Cruz como um exemplo de como é possível dar vida a uma cena só pelo modo como uma personagem se mexe. Mas gostaria de referir especialmente o trabalho de Rebecca Hall, cujo nome tem sido, por vezes, injustamente ofuscado pelos do restante elenco principal. Hall tem aqui uma personagem muito mais difícil do que parece - o de uma mulher intelectual, conservadora, repleta de conflitos internos e várias contradições. Seria muito fácil cair no cliché da mulher tradicionalista frustrada, mas Hall consegue conferir à personagem uma dimensão bem mais profunda com o seu desempenho. Nesse sentido, embora Scarlett Johansson não esteja mal, a sua performance não é tão rica em nuances e na exposição de um mundo interior mais perturbado do que parece como a de Hall – é um trabalho conseguido, mas bem longe dos resultados fabulosos obtidos em obras como “Lost in Translation” ou “Match Point”. Javier Bardem, por sua vez, desempenha o seu papel com charme e inteligência e consegue que o seu artista-macho-cool seja mais complexo e interessante do que se poderia pensar à primeira vista.

O argumento de que esta é uma visão turística de Barcelona também me parece algo bizarro – se a narrativa parte do ponto de vista de duas turistas norte-americanas que vêm ou desenvolver uma tese (Vicky) ou passar férias (Cristina) no coração da Catalunha, é natural que a imagem, adequadamente, siga um ponto de vista turístico, isto é, a de alguém exterior àquele mundo, que só o consegue conhecer parcialmente. O objectivo não é fazer um filme sobre a realidade de Barcelona, mas sim o de acompanhar aquelas duas mulheres na sua viagem exterior e interior. Está coerente com a história que se pretende contar e apetece dizer que estranho seria se fosse de outra forma.

Esperemos, pois, que o Óscar atribuído a Penélope Cruz permita alguma reavaliação do filme – ou, pelo menos, uma catalogação mais interessante do que a de simples “Postal Ilustrado”.

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