segunda-feira, setembro 20, 2004

Surpresas agradáveis: "Amor e Dedinhos de Pé" de Luís Filipe Rocha


A colecção de DVDs "Série Y" lançada no jornal "O Público" chegou recentemente ao seu fim, e calhou que o filme proposto para encerrar (definitivamente?) a colectânea fosse português. Como já é tradição, foi escolhido um título do catálogo da MGN Filmes, sendo este assinado por Luís Filipe Rocha, que já vira três outras obras suas ("Adeus, Pai", "Sinais de Fogo" e "Camarate") serem editadas na mencionada colecção.

"Amor e Dedinhos de Pé" foi o filme que marcou o regresso à sétima arte de Luís Filipe Rocha depois de um período de passagem por Macau em que não assinou qualquer obra. Adaptando, com a colaboração de Izaías Almada, o romance homónimo de Henrique Senna Fernandes, este retorno do realizador de "Cerromaior" não costuma ser o título mais referenciado quando se fala da sua carreira cinematográfica. Injustamente, parece-me: "Amor e Dedinhos de Pé" não só ilustra perfeitamente as preocupações de Luís Filipe Rocha na construçãoo de uma narrativa interessante e coerente como é, na minha opinião, o seu melhor filme.


A história situa-se em Macau, nos primeiros anos do século XX. Francisco Frontaria (Joaquim de Almeida), um bon-vivant filho de uma família prestigiada, passa a vida na borga com o seu circulo de amigos: de apostas manhosas, jogos de adultério e destruição de casamentos, tudo parece valer para fazer o tempo passar agradavelmente. O seu encontro com Victorina Vidal (Ana Torrent), a "Mulher mais feia de Macau", vai inicialmente não passar de uma birra entre os dois. Porém, as consequências das acções de Frontaria vão fazer com que ambos se voltem a cruzar, anos mais tarde, em circunstâncias muito diferentes. Circunstâncias que obrigarão duas pessoas aparentemente tão diferentes a entender-se e, também, a descobrirem-se melhor um ao outro...

Esta "aventura" macaense pressupunha vários riscos de produção. Riscos esses largamente ultrapassados: nunca se nota qualquer limitação de produção ou constrangimento orçamental na construção narrativa do filme. Não há "planos a menos" ou cenas tecnicamente mais fracas que destoem do conjunto. E a dobragem dos actores estrangeiros não distrai, o que é sempre de louvar numa co-produção.


O que surpreende no filme é a enorme qualidade de tudo o que o constitui: a belíssima fotografia de Eduardo Serra, as interpretações excelentes dos actores (e tenhamos em conta que Joaquim de Almeida e Ana Torrent têm cenas em que falam cantonês durante minutos a fio!), o mais que fiel trabalho de reconstituição da época, a realização segura e dinâmica. É uma história bem contada, com uma grande beleza visual, uma técnica impecável e um trabalho dramático bem acima da média.

Defeitos? O final é talvez o ponto mais frágil do filme, já que parece ter sido "feito a despachar". Sabe-se que o realizador e o argumentista optaram por escrever um final menos "delicodoce" e mais em-aberto do que aquele que se pode ler no romance, mas a cena final acaba por revelar-se demasiado abrupta. E o título do filme não é propriamente apelativo. No entanto, para quê ligar a estes pormenores quando tudo o que veio antes é do mais estimulante que a nossa cinematografia tem para oferecer?

Por €8.90, parece-me mesmo muito pouco...

5 comentários:

Anónimo disse...

Eu não consigo acreditar que ainda não li aqui nada sobre aquele que para mim é a grande surpresa do ano e, correndo o risco de exagero, o melhor filme Português que já vi: " André Valente" da muito promissora Catarina Ruivo ( saida da ESTC). Com uma montagem absolutamente inovadora para a nossa cinematografia, com um desempenho de actores notabilíssimo ( com grande surpresa do actor Russo Dmitry). Uma narrativa nada convencional ( apesar de se orintar pelos comuns 3 actos). Espantou-me principalmente as ligações que ela faz dos planos e o realismo e verossimilhança ( coisas que no Cinema Português deixa muito a desejar......) com que ela filma a Criança e o seu Mundo. Diálogos brilhantes e o retrato do drama da mãe e da criança genial, passando de um "Mundo " para o outro sempre fiel as personagens. Genial! Um filme de se guardar no coração porque toca profundamente ( pelo menos a mim tocou-me) no imaginário colectivo e memórias da Infância. Claro que não está isento de falhas à Portuga mas, como primeiro filme, esquece-se facilmente. Um filme que faz lembrar desde logo a obra- prima de Cassevetes "Glória".
Como leitor do teu Blog Ricardo, anseio e exigo um comment bem longo a este filme. Que ele não passe despercebido porque não merece! Força Catarina! Tu tás lá!!! Transpira génio o teu filme!

Sam, "the lone Prospector"

Ricardo Gonçalves disse...

Pois é, infelizmente "André Valente" (ainda) está na minha lista de filmes a ver, mas vou ver se remedio a situação o mais rapidamente possível! "Sem Ela" também me parece uma pelicula nacional interessante, esperemos que consiga apanhar ambos os filmes nas salas!

Anónimo disse...

Mais do que agradável, este filme foi para mim uma experiência deliciosa e intensa. Depois do filme tive uma imensa curiosidade em ler o livro. Adorei, a duas coisas completam-se de uma maneira quase perfeita. Pena que não haja mais rasgos de inspiração destes no cinema português.

Anónimo disse...

Procuro desesperadamente este muito excelente filme em dvd, podem dar-me o endereço de um sítio web a comunicar-me? Agradeço-o infinitamente de antemão

C.
França

Ricardo Gonçalves disse...

Peço desculpa por ter demorado algum tempo a responder, mas estive à procura de alguma loja online que tivesse o filme à venda e é com grande pena que digo que não tive qualquer sorte - aparentemente, a única edição em DVD que existe é a editada pelo Público na "Série Y" em complemento com o dito jornal há já vários anos, e nem no site da loja do Público está disponível para encomenda. Alguns títulos das várias "série Y" têm aparecido, ao longo dos anos, nas prateleiras da FNAC a baixo preço, mas o site desta loja também não o indica.

Tentar importar de uma loja online parece impossível, mas uma boa hipótese é tentar algumas lojas que vendam DVDs em segunda mão (caso da Game Stop). Claro que tal hipótese só mesmo estando em Portugal...