quarta-feira, julho 14, 2004

"28 Dias Depois" - Os dias (não estão) contados para o filme de Zombies



Vinte e oito dias depois de um estranho vírus ter sido libertado acidentalmente de um laboratório na Inglaterra, toda a ilha britânica está devastada, sendo assolada por mortos-vivos que os poucos sobreviventes que ainda restam escondidos nos destroços chamam de "Infectados". O vírus que estes carregam transmite-se pelo sangue, tornando as suas víctimas em monstros carregados de raiva em pouco menos de vinte segundos depois de serem mordidos. Jim, um paperboy que estivera internado em coma antes da propagação do vírus, acorda no hospital para encontrar Londres completamente desolada. O seu encontro com dois sobreviventes, Selena e Mark, fará com que não só fique a par da dramática situação actual, como também lhe permitirá iniciar a procura de alguma forma de fugir do pesadelo que estão a viver. No entanto, os "Infectados" não são a sua única ameaça...

Foi em 2002 que Danny Boyle, o célebre realizador britânico responsável pelo impressionante thriller "Shallow Grave - Pequenos Crimes Entre Amigos", pela extremamente elogiada adaptação de "Trainspotting" de Irvine Welsh e pela extremamente vaiada adaptação de "A Praia" de Alex Garland, se aventurou num território não-tão-comum-quanto-isso no cinema inglês e na sua própria obra: o filme de Zombies. Para além da peculiaridade desta premissa, Boyle ousou ser original não só na escolha da temática como também na própria concepção do filme, escolhendo usar como formato de registo de imagem o Vídeo-Digital (DV) em detrimento da tradicional (e muito mais cara) película de 35 milímetros, teoricamente abdicando desde logo de uma fotografia "mais bonita". Os riscos eram grandes, e bastava o facto de esta ser a segunda vez que Boyle e Alex Garland estavam envolvidos num mesmo projecto para não inspirar grande confiança.

Mas a aposta foi definitivamente ganha. Desde o momento em que assistimos a vários planos de Londres completamente vazia até à primeira cena em que os Infectados surgem do escuro que percebemos estar perante um filme de zombies como já tinhamos saudade de ver. Depois da enorme decepção que foi a transposição para o grande ecrã de Resident Evil (uma crítica minha, bastante ilustrativa dessa desilusão, pode ser encontrada aqui), é agradável constatar que o género ainda tem muito para oferecer!

Construindo a sua obra num crescendo de tensão, Boyle consegue criar um ambiente de cortar-à-faca ao longo de todo o filme. Muito desse ambiente deve-se à sólida direcção de actores, à soberba utilização da música de fundo de John Murphy e muito especialmente à direcção de fotografia. Aqueles que têm defendido a fotografia em DV como uma opção estética e económica a ter em conta têm aqui um belo contra-argumento para os cépticos que desconfiam da qualidade do vídeo enquanto formato de captação de imagem: o trabalho do director de fotografia Anthony Dodmantledff é exepcional, conferindo todo um "look" de documentário ao filme (coisa que George Romero também conseguira no seu mítico "A Noite dos Mortos Vivos") e, simultaneamente, fazendo-nos esquecer várias vezes ao longo de 110 mínutos de que estamos a ver uma obra que não foi rodada em película!




O argumento de Garland tem a inteligência de não se limitar a ser um survival-horror linear, dando alguma profundidade às personagens e inserindo uma dose sugestiva de crítica social na história. Tal como na tradição dos melhores filmes do género, "28 Dias Depois" expõe as qualidades e (acima de tudo) os podres dos sobreviventes perante os seus instintos mais básicos, sugerindo que os seres humanos não são assim tão diferentes das criaturas que tanto temem e desprezam. Os elementos de ficção científica de série B funcionam plenamente, e a violência tem a brutalidade que um filme destes necessita, não se esquivando a mostrar um ou outro plano mais "duro" só para garantir um público mais alargado.

É claro que o filme não está isento de erros: a montagem, embora na maioria das vezes justa e adequada (tendo mesmo excelentes momentos nas últimas instâncias passadas na mansão dos militares, por exemplo), é demasiado découpada nalgumas cenas mais movimentadas, deixando o espectador um tanto confuso sobre o que se está a passar; igualmente, os efeitos especiais oscilam entre os muito bons (o make-up dos infectados, o gore) e os menos bem conseguidos (algumas "stills" de Londres, os moínhos de vento na estrada, etc). Mas que são estes pormenores perante o fabuloso resultado final que é "28 Dias Depois"? Pouca coisa, verdadeiramente. O entusiasmo nítido por detrás de cada plano e a pura vontade de fazer um filme de horror por amor ao género são factores suficientemente aliciantes para nos fazer esquecer as pequenas imperfeições da obra.

Propagação

Embora seja um título que só tem dois anos, é justo dizer-se que "28 Dias Depois" já deixou as suas marcas noutros filmes: "O Renascer dos Mortos", o recente (e bastante interessante) remake do extraordinário "Dawn of the Dead" de George Romero, tem nitidamente algumas influências do filme de Danny Boyle. E, como seria de esperar, uma sequela já foi anunciada, justamente entitulada "28 Weeks Later". Resta saber se o duo Boyle-Garland permanecerá ou não nesta nova fita...

28 Dias Depois (28 Days Later). Terror/Ficção Científica. 2002, Inglaterra/Alemanha
Realizador: Danny Boyle
Argumento: Alex Garland
Elenco: Cillian Murphy, Naomie Harris, Christopher Eccleston, Megan Burns e Brendan Gleeson
Produção: Andrew Macdonald
Dir. de Fotografia: Anthony Dodmantledff
Música: John Murphy
Montagem: Chris Gill
Cor, 110 mins.
Site oficial: http://www.28dayslaterthemovie.co.uk/main.html

Disponibilidade




Infelizmente, a edição portuguesa deste título faz parte daqueles deploráveis discos nacionais que empalidecem face às propostas estrangeiras. De facto, o DVD lançado no mercado pela LNK não conta com quaisquer extras, tendo como únicas qualidades o número considerável de legendas à disposição (17) e o facto de manter o aspect-ratio de 1.85:1. Para o preço de 26,90€ a que está posto à venda, é pouco, muito pouco mesmo...

...sobretudo tendo em conta a riqueza das edições estrangeiras: de facto, uma pesquisa na net revela que a edição portuguesa é uma cópia "quase" directa da versão-light do DVD proposto pelos franceses, não tendo grande coisa a ver com a edição normal do filme, também editada na Bélgica.

Igualmente, os discos ingleses, espanhois e norte-americanos (tendo estes últimos disponíveis uma versão Full-Frame e uma Widescreen por onde escolher) contêm os mesmos extras:

Comentários de audio do realizador Danny Boyle e do argumentista Alex Garland; trailers de cinema; três finais alternativos com comentários de audio opcionais; seis cenas eliminadas na montagem com comentários de audio opcionais; o documentário "Pure Rage: The Making of 28 Days Later"; um videoclip da banda Jacknife Lee; storyboards animadas extraídos do website original & galerias de fotografias com comentário de audio do realizador.

Portanto, se não quiserem ficar pelo aluguer, o melhor mesmo é dar uso às lojas online...

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