
A colecção de DVDs "
Série Y" lançada no jornal "
O Público" chegou recentemente ao seu fim, e calhou que o filme proposto para encerrar (definitivamente?) a colectânea fosse português. Como já é tradição, foi escolhido um título do catálogo da MGN Filmes, sendo este assinado por
Luís Filipe Rocha, que já vira três outras obras suas ("
Adeus, Pai", "
Sinais de Fogo" e "
Camarate") serem editadas na mencionada colecção.
"
Amor e Dedinhos de Pé" foi o filme que marcou o regresso à sétima arte de Luís Filipe Rocha depois de um período de passagem por Macau em que não assinou qualquer obra. Adaptando, com a colaboração de
Izaías Almada, o romance homónimo de Henrique Senna Fernandes, este retorno do realizador de "
Cerromaior" não costuma ser o título mais referenciado quando se fala da sua carreira cinematográfica. Injustamente, parece-me: "Amor e Dedinhos de Pé" não só ilustra perfeitamente as preocupações de Luís Filipe Rocha na construçãoo de uma narrativa interessante e coerente como é, na minha opinião, o seu melhor filme.

A história situa-se em Macau, nos primeiros anos do século XX. Francisco Frontaria (
Joaquim de Almeida), um bon-vivant filho de uma família prestigiada, passa a vida na borga com o seu circulo de amigos: de apostas manhosas, jogos de adultério e destruição de casamentos, tudo parece valer para fazer o tempo passar agradavelmente. O seu encontro com Victorina Vidal (
Ana Torrent), a "Mulher mais feia de Macau", vai inicialmente não passar de uma birra entre os dois. Porém, as consequências das acções de Frontaria vão fazer com que ambos se voltem a cruzar, anos mais tarde, em circunstâncias muito diferentes. Circunstâncias que obrigarão duas pessoas aparentemente tão diferentes a entender-se e, também, a descobrirem-se melhor um ao outro...
Esta "aventura" macaense pressupunha vários riscos de produção. Riscos esses largamente ultrapassados: nunca se nota qualquer limitação de produção ou constrangimento orçamental na construção narrativa do filme. Não há "planos a menos" ou cenas tecnicamente mais fracas que destoem do conjunto. E a dobragem dos actores estrangeiros não distrai, o que é sempre de louvar numa co-produção.

O que surpreende no filme é a enorme qualidade de tudo o que o constitui: a belíssima fotografia de
Eduardo Serra, as interpretações excelentes dos actores (e tenhamos em conta que Joaquim de Almeida e Ana Torrent têm cenas em que falam cantonês durante minutos a fio!), o mais que fiel trabalho de reconstituição da época, a realização segura e dinâmica. É uma história bem contada, com uma grande beleza visual, uma técnica impecável e um trabalho dramático bem acima da média.
Defeitos? O final é talvez o ponto mais frágil do filme, já que parece ter sido "feito a despachar". Sabe-se que o realizador e o argumentista optaram por escrever um final menos "delicodoce" e mais em-aberto do que aquele que se pode ler no romance, mas a cena final acaba por revelar-se demasiado abrupta. E o título do filme não é propriamente apelativo. No entanto, para quê ligar a estes pormenores quando tudo o que veio antes é do mais estimulante que a nossa cinematografia tem para oferecer?
Por €8.90, parece-me mesmo muito pouco...